De onde vem essa tirania do bullying, como evitar os conflitos gerados pelas diferenças e como manifestar diferentes formas de pensar sem provocar o bullying
Existe um princípio linguístico que diz que só passamos a ter consciência da existência das coisas quando elas são nomeadas. É por meio da linguagem que somos capazes de interpretar o mundo, categorizar a realidade e compreender de modo mais efetivo tudo o que se passa à nossa volta.
Em escolas, clubes, quartéis, universidades e empresas sempre houve situações em que alguém é ameaçado, intimidado, perseguido, achincalhado, satirizado, humilhado, por um colega ou por um grupo de colegas. Trata-se, inegavelmente, de uma relação desigual de poder, que às vezes chega à violência física.
Nos últimos 20 anos, e sobretudo na última década, esse fenômeno passou a receber mais atenção. Isso se deu principalmente porque o termo bullying (derivado do inglês bully, palavra de conotação negativa que pode ser traduzida como “tirano” ou “valente”) passou a ser usado para designar esses atos de opressão.
É evidente que o bullying já existia antes de a palavra se popularizar com esse significado, mas o fato de o termo ser agora de largo uso faz com que tenhamos mais consciência da existência dessas formas de intimidação e violência.
No ambiente escolar e em todas as situações que envolvem relações entre crianças, adolescentes e jovens, está havendo um interesse cada vez maior em identificar os casos de bullying. É preocupação de pais, professores, pedagogos e psicólogos estabelecer qual o limite entre uma briga e uma perseguição sistemática, entre uma discussão e uma ameaça generalizada, entre uma desavença e uma intimidação repetida.
Há quem acredite que os casos de bullying aumentaram nos últimos anos e há quem defenda que apenas passamos a identificá-los melhor. O que é indiscutível é que o alcance desses atos de ameaça e violência aumentou com as redes sociais, a ponto de alguns falarem também em cyberbullying. Uma intimidação que se dava apenas no ambiente escolar pode ultrapassar os limites do colégio e ganhar uma dimensão mais ampla. E mais preocupante.
Ganhou destaque na imprensa de todo o mundo a ocorrência de vários episódios sangrentos de jovens que abriram fogo de forma aleatória contra estudantes e professores de escolas nos EUA, no Canadá, na Europa e também no Brasil.
Do ponto de vista das ciências sociais, podemos analisar esse fenômeno como uma relação de poder, de força, de dominação, em que há uma evidente desigualdade entre os oponentes: o responsável pelo bullying é o opressor, constitui o grupo dominante (ou faz parte dele), goza de prestígio entre os pares e tem certas prerrogativas especiais; a vítima é o oprimido, o diferente, o marginalizado, o perseguido, enfim, o “outro”.
Sociólogos e antropólogos sempre estiveram atentos para as relações que se estabelecem entre “nós” e os “outros”, entre a identidade e a alteridade. Aliás, o termo alteridade tem origem no latim alter, que significa “outro”.
Quando duas culturas diferentes entram em contato – foi o caso, por exemplo, do encontro entre europeus e os povos nativos das Américas no início do século 16 –, é comum que haja algum tipo de conflito, pela dificuldade de nos relacionarmos com o diferente.
Esse conflito pode caminhar para a violência ou para a coexistência pacífica, para a formação de uma nova identidade ou para a aculturação. No caso brasileiro, não é preciso ir longe para comprovar que os povos indígenas foram completamente dominados pelo colonizador.
Questões envolvendo negros, homossexuais, mulheres e diversas minorias demonstram a dificuldade de conviver com a alteridade, de aceitar quem age de modo diferente, de respeitar quem pensa de outro modo. Esses grupos minoritários, assim como os índios no processo de colonização, também foram historicamente vítimas (e muitos ainda são) de ameaças, intimidações, perseguições, sátiras, humilhações, violência física e psicológica. Eles têm que lutar para adquirir direitos que o restante da sociedade já possui há tempos.
Ora, tudo isso não poderia ser chamado de bullying também? Será que o que acontece no ambiente escolar (e que, felizmente, tem recebido mais atenção de pesquisadores e meios de comunicação) não é a reprodução, em miniatura, de tudo aquilo que sempre houve na sociedade, nos conflitos entre grupos sociais diferentes, nas contradições que há no mundo em que vivemos?
Se a resposta for positiva, as ciências sociais podem ser muito úteis para ajudar a compreender o bullying, pois ele não seria um fenômeno novo ou particular, mas sim uma manifestação das dificuldades, como dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade, de “con-viver”.
Fonte: Uol.
2 comentários:
Verdade, Lúcia. Passei por várias situações de bullying desde a infância até a fase adulta e somente agora passei a ter consciência do problema: depois que o termo surgiu. Foram situações que me intimidaram, constrangeram e me fizeram perder chances de progresso na vida. Se eu pudesse nomear na época, possivelmente a situação teria sido diferente.
Sua experiência relatada Joadne é muito importante pois quanto mais cedo uma criança passa por situações de bullying pior para ela.Agressões podem provocar traumas permanentes ou seja o bullying se mal resolvido pode trazer marcas para o resto da vida. Como você mesma relatou traumas interferem na auto-estima, na concentração, na motivação para os estudos,no rendimento escolar e nos males psicossomáticos. A vítima pode até desenvolver a longo prazo transtorno de ansiedade, depressão, idéias suicidas e insegurança.Por isso é preciso consciência dos educadores e pais para haver intervençã,o senão os efeitos são para o resto da vida.
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